sábado, 12 de julho de 2008

Em essência

"O desafio do teatro é ser vivo, interessante e tocar as pessoas; ultrapassar o nível banal que assola o mundo inteiro, ir além da facilidade do sórdido."
Peter Brook




Fui ver Fragments do Peter Brook meio ressabiada. Não gosto de quando ouvi muitos comentários antes de ver qualquer coisa. Gosto do frescor, da objetividade (ou subjetividade) e desapego de olhos e ouvidos desavisados. Depois de ver uma peça, filme, exposição, sento para ler tudo o que se disse, antes prefiro ser eu e meus sentidos. Gosto deles e tendo a acreditar neles. Claro que já me enganei. Passei anos sentindo pouco cheiro. Mas isso já é outra história.
Lá fui eu ao Sesc Santana ver o Beckett que tentei ver em Paris e não consegui pois não estava finalizado ainda. Vi Hamlet quando o diretor inglês radicado na França pisou em terras tupiniquins pela primeira vez. E era impressionante. Tenho problemas com montagem do drama do príncipe dinamarquês. Amo o texto e sou super crítica. Saí embasbacada com a intensidade da montagem.
Vi Tierno Bokar três vezes não por opção mas por trabalho. Calhei de estar na produção de parte do evento, fazer o quê? E não vi Sizwe Banzi Est Mort poque não consegui convite e/ou ingresso.
E o Beckett de Brook é justamente o que eu gosto. Verborrágico e perdido nas próprias palavras, no mal do mundo, na incomunicabilidade, na solidão desse mundão de Deus sem Deus. O essencial, a ausência de firula, a despretenção... é tudo lindo.
É essa simplicidade que comunica com a platéia, sem gobo, sem mapas fenomenais de luz, mas com verdade, é isso que faz com que o ser humano sentado no escuro se sinta ligado e entenda (ou não!) o ser humano vivido no palco e é isso que está faltando no nosso teatro paulistano de tipos e baladas. Está faltando verdade e sem verdade não existe teatro.

Fragments reúne os textos “Berceuse” (ou “Rockaby”, em inglês) “Fragment de théâtre I” (ou “Rough for Theatre I”), “Acte sans paroles II” (ou “Act Without Words II”), “Va et viens” (ou “Come and Go”) e o poema, “Ni l’un ni l’autre” (”Neither”).
Inicialmente apresentada em francês, em outubro de 2006 no Teatro Bouffes du Nord, a peça foi remontada em inglês no Young Vic Theatre em setembro de 2007. Em junho de 2008 apresentou-se (em inglês, com legendas em português) no Festival de Londrina (FILO), Brasília e São Paulo e Rio de Janeiro.

“Beckett era um perfeccionista. Mas, pode-se ser perfeccionista sem ter uma certa intuição do que é a perfeição? Atualmente, com o passar do tempo, percebemos a que ponto todos os rótulos que lhe foram atribuídos no passado - desesperado, negativo, pessimista - são falsos. Beckett, na verdade, mergulha seu olhar no abismo insondável da existência humana. Seu humor o salva - e nos salva - ele rejeita as teorias, os dogmas que nada oferecem além de piedosos consolos. Na realidade sua vida nada foi do que uma constante e difícil pesquisa da verdade. Ele coloca as pessoas exatamente como as vê, na escuridão. Ele as mergulha no vasto desconhecido, observando através das janelas delas mesmas, nos outros, o olhar dirigido tanto para o exterior como para o interior, para o alto ou para baixo. Ele compartilha da incerteza delas, de seu sofrimento. O Teatro lhe dá a possibilidade de encontrar uma unidade na qual o som, o movimento, o ritmo, a respiração e o silêncio estão reunidos com exatidão. Ele pede para ele mesmo - um objetivo inatingível, que se alimenta de sua necessidade de perfeição. Ele penetra dessa forma no caminho raro que religa o teatro grego e Shakespeare ao tempo atual - celebrando sem compromisso a verdade, uma verdade desconhecida, terrível, espantosa.”, afirma Peter Brook.

Sinopse

“Fragment de théâtre I” / “Rough for Theatre I”
Magni é um circunspeto músico cego, Houben é um animado deficiente físico preso a uma cadeira de rodas com capacidade de recuperar rapidamente a alegria. Os dois alcançam a condição de mútua dependência rubugenta.

“Berceuse” / “Rockaby”
Uma mulher solitária tenta ninar a si mesma, literalmente, até morrer, tanto fisicamente e por meio da sua fala repetitiva.

“Acte sans paroles II” / “Act Without Words II”
Num drama sem palavras, dois personagens emergem de sacos gigantescos para se submeter a uma cômica rotina diária de trabalho duro em estilo de cinema mudo. Arrastam a si mesmos uns poucos centímetros à frente a cada “empurrão da vida”.

“Va et viens” / “Come and Go”
Três senhoras idosas estão sentadas num banco de parque. Cada vez que uma sai, as outras duas compartilham um terrível segredo sobre ela.

FICHA TÉCNICA
Textos: Samuel Beckett
Direção: Peter Brook
Colaboração: Lilo Baur e Marie Hélène Estienne
Elenco: Marcello Magni, Hayley Carmichael e Khalifa Natour
Iluminação: Philippe Vialatte
Espetáculo produzido pelo C.I.C .T. / Théatre des Bouffes du Nord, Paris, e por William Wilkinson para Millbrook Productions em co-produção com o Young Vic Theatre, Londres

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